O direito ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) previsto na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) tem como objetivo garantir o mínimo existencial a pessoas em situação de vulnerabilidade, entre elas crianças com deficiência, como o Transtorno do Espectro Autista (TEA). No entanto, na prática, a análise do critério da renda per capita familiar ainda gera debates e, muitas vezes, injustiças — especialmente quando envolve estruturas familiares não tradicionais. Neste post falaremos mais sobre o Direito de crianças autistas ao BPC (LOAS), ainda diante de contextos onde um dos pais possua renda acima do salário-mínimo.
Um recente julgamento da 10ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), publicado no dia 1º de abril de 2024, trouxe importante precedente ao reafirmar a natureza protetiva e inclusiva do BPC. No caso concreto, foi concedido o benefício a uma criança diagnosticada com autismo, mesmo que o pai, que não reside com o menor, aufira renda mensal elevada.

O caso julgado: Direito de crianças autistas ao BPC (LOAS)
A decisão foi proferida no processo nº 5001184-42.2020.4.03.6126. A Justiça Federal de São Paulo já havia concedido o benefício em primeira instância, mas o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) recorreu, sob o argumento de que o pai da criança possui renda suficiente para suprir suas necessidades, o que afastaria o requisito de miserabilidade exigido pela LOAS.
Contudo, a relatora do caso, desembargadora federal Silvia Nóbrega, destacou que a renda do pai não deveria ser computada, uma vez que ele não reside com a criança nem contribui regularmente para seu sustento. A Turma concluiu que, nesse contexto, a exigência de cálculo da renda per capita com base apenas no núcleo familiar que efetivamente convive com a criança é mais adequada à finalidade do BPC.
Concluiu a relatora que o BPC deve ser visto sob a ótica da proteção social à vulnerabilidade concreta.
Fundamentação legal
O BPC é regulado pelo artigo 20 da Lei nº 8.742/1993 (Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS), que assegura o benefício de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 anos ou mais, que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
A regulamentação do benefício foi atualizada pelo Decreto nº 6.214/2007, que estabelece os critérios para avaliação da deficiência e da renda familiar, além de reconhecer exceções ao critério de renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo — principalmente quando há gastos com medicamentos, tratamentos ou outras despesas médicas.
Ainda, o art. 20, §11, da LOAS prevê expressamente que a renda familiar per capita pode ser desconsiderada quando houver elementos que evidenciem a situação de vulnerabilidade do requerente, conforme interpretação sistemática da legislação com o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) e os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da proteção integral à criança e ao adolescente.
Interpretação jurisprudencial: avanço na concretização de direitos
A decisão do TRF3 reforça uma tendência jurisprudencial de leitura ampliativa e protetiva da norma assistencial, compatível com os preceitos constitucionais e com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), que já se manifestou em diversas oportunidades a favor da flexibilização dos critérios de renda quando a realidade do requerente justifica a concessão do benefício (como no RE 567985/MT, com repercussão geral).
Trata-se de reconhecer que a ausência de responsabilidade afetiva e financeira de um dos genitores não pode ser usada contra a criança com deficiência, impedindo-lhe o acesso à assistência do Estado.
Conclusão sobre o Direito de crianças autistas ao BPC (LOAS)
O julgado da 10ª Turma do TRF3 representa um importante avanço no reconhecimento dos direitos de crianças com autismo e evidencia a necessidade de uma análise sensível e contextualizada nos pedidos de BPC.
A exigência de miserabilidade não pode ser interpretada de forma mecânica. Cabe ao Judiciário, como fez a Corte em questão, analisar quem de fato convive e contribui para a manutenção do núcleo familiar, evitando que formalismos excluam justamente aqueles que mais precisam da proteção social.
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